O Supremo Tribunal Federal, por meio dos Temas 1.166 e 190, estabeleceu diretrizes fundamentais sobre a matéria, delimitando-a entre essas duas esferas. Esses temas revelam a complexidade e a necessidade de uma compreensão precisa sobre a atribuição de jurisdição, especialmente em casos que envolvem tanto aspectos trabalhistas quanto contratuais, suscitando discussões sobre qual esfera deve decidir cada caso específico.
O Tema 1.166 do STF estabelece que:
Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar causas ajuizadas contra o empregador nas quais se pretenda o reconhecimento de verbas de natureza trabalhista e os reflexos nas respectivas contribuições para a entidade de previdência privada a ele vinculada. (grifo nosso)
Este entendimento originou-se do Recurso Extraordinário nº 1.265.564/SC, interposto pelo Banco do Brasil contra decisão do Tribunal Superior do Trabalho (TST) que reconheceu a competência da Justiça do Trabalho para julgar ações visando diferenças salariais com reflexos nas contribuições destinadas às Entidades Fechadas de Previdência Complementar (EFPC). No caso, o Banco do Brasil, patrocinador do plano de benefícios administrado pela PREVI, foi acionado em demanda na qual o autor buscava o reconhecimento de horas extras, diferenças salariais correspondentes e a obrigação do banco em efetuar os recolhimentos das contribuições à EFPC.
A partir desse caso, consolidou-se o entendimento firmado no Tema 1.166 do STF de que a Justiça do Trabalho é competente para julgar ações cujo pedido principal envolva o reconhecimento de verbas trabalhistas, mesmo que isso repercuta nas contribuições destinadas à Entidades Fechadas de Previdência Complementar vinculada ao empregador. Por outro lado, quando a demanda se limitar à complementação de aposentadoria, sem qualquer controvérsia sobre direitos trabalhistas, a competência será da Justiça Comum.
Nesse contexto, o Tema 190 do STF define a competência para julgar demandas relacionadas à complementação de aposentadoria por Entidades Fechadas de Previdência Complementar. A tese fixada estabelece que cabe à Justiça Comum processar e julgar essas ações. Contudo, foi prevista uma exceção: os processos que já tinham sentença de mérito até 20 de fevereiro de 2013 permaneceriam sob a jurisdição da Justiça do Trabalho até o trânsito em julgado e a fase de execução.
A divergência entre os Temas 1.166 e 190 decorre da origem das normas aplicáveis. A Justiça do Trabalho deve atuar apenas no reconhecimento da natureza salarial das verbas pleiteadas nas ações trabalhistas, com reflexos nas contribuições ao Regime Geral de Previdência Social (RGPS). Por outro lado, as contribuições para a previdência complementar privada são uma escolha do empregado, caracterizando um contrato autônomo e distinto.
Assim, disputas relacionadas a esse tipo de contrato devem ser tratadas pela Justiça Comum, com base no Direito Civil, uma vez que não decorrem do contrato de trabalho, mas de uma relação jurídica entre o afiliado e a Entidade Fechada de Previdência Complementar. Dessa forma, a Justiça do Trabalho não possui competência para julgar tais questões.
A tese firmada pelo STF no Tema 1.166, ao atribuir à Justiça do Trabalho a competência para analisar ações sobre verbas trabalhistas e suas implicações nas contribuições à previdência privada, configura uma clara intervenção na autonomia dos contratos de previdência privada. Com essa decisão, o STF desconsidera a garantia constitucional de autonomia prevista no artigo 202, §2º, da Constituição Federal, que assegura que a previdência complementar deve ser regida por regras próprias, sem interferência estatal:
Art. 202. O regime de previdência privada, de caráter complementar e organizado de forma autônoma em relação ao regime geral de previdência social, será facultativo, baseado na constituição de reservas que garantam o benefício contratado, e regulado por lei complementar.
[…]
- 2° As contribuições do empregador, os benefícios e as condições contratuais previstas nos estatutos, regulamentos e planos de benefícios das entidades de previdência privada não integram o contrato de trabalho dos participantes, assim como, à exceção dos benefícios concedidos, não integram a remuneração dos participantes, nos termos da lei.
- Larissa Lino e Isabelle Lemos são advogadas associadas, especializadas em EFPC, no JMORALES ADVOGADOS
- Janete Morales é sócia fundadora do JMORALES ADVOGADOS e membro da Comissão Técnica de Assuntos Jurídicos da Abrapp.
